O financiamento das campanhas eleitorais no Brasil é realizado por meio do sistema misto, no qual se admite o recebimento de recursos de origem privada e públicos.
Até as Eleições de 2014, a Lei Eleitoral admitia que os recursos de origem privada fossem advindos de doações realizadas tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas.
Agora, apenas o financiamento privado de campanhas por parte das pessoas físicas continua sendo permitido pelo art. 23 da Lei nº 9.504/97, com algumas alterações introduzidas pela Lei nº 13.165/15. As doações realizadas por pessoas físicas, conforme §1º do art. 23 da Lei nº 9.504/97, continuaram limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior às eleições.
Na dicção do §1º-A da Lei Eleitoral, os candidatos poderão utilizar recursos próprios em suas campanhas, limitando-se ao teto de gastos determinados pela lei e fixados pelo Tribunal Superior Eleitoral por meio da Resolução nº 23.459/15. E não é demais lembrar que, conforme dispõe o art. 56 da Resolução nº 23.463/15, a Justiça Eleitoral poderá exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade dos recursos próprios, que devem ser instruídas com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada.
O limite de 10% fixado para as doações de pessoas físicas não se aplica às doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, como por exemplo, salas comerciais, equipamentos de informática, aparelhagem de som, mesas, cadeiras, etc.; desde que o valor estimado da doação não ultrapasse R$ 80.000,00, conforme o comando contido no §7º do art. 23 da Lei nº 9.504/97.
Limite de doação de bens e serviços estimáveis em dinheiro
Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.
Por construção doutrinária[1] [2], jurisprudencial[3] e regulamentar[4], entende-se que a atividade voluntária, pessoal e direta do eleitor em apoio à candidatura ou a partido político de sua preferência, desde que constituam produto de seu próprio serviço ou de suas atividades econômicas, não está adstrita ao limite de 10%, mas sim, ao limite de R$ 80.000,00. Portanto, as prestações de serviços doadas às campanhas eleitorais também se enquadram no conceito de bens móveis de propriedade do doador, tais como, serviços de locução, produção gráfica, advocatícios e contábeis. Do contrário seria de se admitir que apenas pessoas detentoras de bens materiais pudessem apoiar partidos políticos e candidatos de sua preferência, excluindo ou limitando o apoio voluntário de quem não possui capital econômico.
Não é demais repetir que, de acordo com a nova redação do §2º do art. 23 da Lei nº 9.504/97, todas as doações estimáveis em dinheiro a candidatos e a partidos políticos deverão ser efetivadas mediante recibo eleitoral; exceto no caso da cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 por pessoa cedente; e, nas doações estimáveis em dinheiro entre candidatos ou partidos políticos, decorrentes do uso comum, tanto de sedes, quanto de materiais de propaganda eleitoral.
Limite de doação realizada por meio de depósito em espécie
A Resolução nº 23.463/15 do TSE dispõe que as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Assim, de acordo com o §1º do art. 18, as doações em espécie, realizadas por meio de depósito bancário, somente estariam regulares se efetuadas em valor inferior a R$ 1.064,10. O §3º do art. 18 determina que as doações efetuadas acima daquele valor não sejam utilizadas e exige sua devolução ao doador.
Ao estabelecer limite máximo para depósitos bancários e devolução dos valores que extrapolem aquele limite, o TSE inovou, por meio de Resolução, na ordem jurídica, pois não existe suporte legal que autorize o Tribunal fixar o teto de valores para depósitos em espécie, exorbitando, portanto o poder do Tribunal de expedir instruções necessárias para fiel execução da Legislação Eleitoral.
O art. 105 da Lei nº 9.504/97 estabelece que o poder do TSE de expedir instruções para o fiel cumprimento da Lei não pode restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na Lei. Com efeito, o TSE ao criar restrição onde a Lei não restringe, fixar obrigações onde a Lei não obriga e estabelecer sanções onde a Lei não estabelece, extrapolou o seu poder regulamentar[5], ferindo o princípio da reversa legal e a norma contida no art. 105 da Lei Eleitoral.
Segundo observam Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira, a alteração na redação do art. 105 da Lei nº 9.504/97 “foi uma mensagem clara do legislador: limitar o poder normativo do TSE”.[6] Para Marcos Ramayana, a nova redação dada ao dispositivo “confirmou que o poder regulamentar exercido pela Justiça Eleitoral limita-se secundum legis”, não sendo “possível a criação de regras que fossem contra legem”. [7]
Sem embargo, devem os candidatos e partidos políticos, ao arrecadar recursos para suas campanhas, se atentar ao cumprimento do limite estabelecido pela Resolução nº 23.463/15 do TSE, pois, as resoluções eleitorais são fontes de aplicação do direito utilizadas por Ministros, Juízes e Promotores; e o Supremo Tribunal Federal em outra oportunidade declarou constitucional[8] a Resolução nº 22.610/07, não obstante ser entendimento de que ela inovou no âmbito da legislação eleitoral[9].
Notas
[1] ALVIM, Frederico Franco. Op. cit., p. 299.
[2] RIBEIRO, Rafael Almeida. Doação eleitoral de pessoa física para candidato. Doação de bem estimável em dinheiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4216, 16 jan. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/jurisprudencia/30265>. Acesso em: 11 fev. 2016.
[3] Representação. Doação acima do limite legal. 1. A doação de serviços estimáveis está incluída na ressalva prevista no art. 23, § 7º, da Lei nº 9.504/97, que diz respeito aos bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, pois constitui atividade com valor econômico que, em razão de sua prestação obriga, em tese, o beneficiário à necessária contraprestação. 2. A doação de serviços para campanha eleitoral envolve, para efeito de análise financeira das campanhas, a renúncia ao direito pessoal de caráter patrimonial, ou seja, o direito de crédito que faria jus o doador, o qual, na hipótese prevista no inciso III, do art. 83 do Código Civil Brasileiro, deve ser considerado como bem móvel. 3. A doação de prestação de serviços de divulgação de panfletos não ultrapassou o limite de R$ 50.000,00 previsto no § 7º do art. 23 da Lei das Eleições, ainda que somado ao valor atinente à cessão do veículo de propriedade do recorrente. Recurso especial a que se dá provimento, para julgar improcedente a representação. TSE – REspe: 1787 SP, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Data de Julgamento: 01/10/2013, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 15/10/2013, Página 31.
[4] O art. 19 da Resolução nº 23.463/15 do TSE dispõe que os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.
[5] Não se desconhece o tratamento e o alcance que a doutrina e a jurisprudência conferiam ao poder regulamentar das instruções expedidas pelo TSE. Neste sentido, a) “exerce a Justiça Eleitoral importantes funções normativas, não por outorga direta da Constituição, mas mediante lei autorizada pelo texto constitucional” (LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 216.); b) “Ao Tribunal Superior Eleitoral compete privativamente a expedição de instruções que julgar conveniente à execução do Código Eleitoral (CE, artigo 23, IX). Essas instruções, quando são expedidas por meio de resoluções, têm força de lei, e quando violadas por decisão de tribunais regionais permitem o recurso especial. Essa é uma das fases da competência normativa ou regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, às vezes, até competência legislativa”. ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional. 2ª ed. São Paulo: RT, 1997, p. 173; c) “esse exercício de poder regulamentar tem por limite óbvio a Constituição, o que nela conste expressamente, o que ela contenha implicitamente e o que dela derive necessariamente conforme a natureza da res publica eleitoral” (JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p.46-47 apud FLÔRES, Ana Eloise de Carvalho/FERNANDES, Rosana Spiller. Poder Regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em:<https://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/edicoes-impressas/integra/2012/06/poder-regulamentar-do-tribunal-superior-eleitoral/index8ef1.html>. Acesso em: 12 fev. 2016.); d) “E à Justiça Eleitoral cabe não apenas regulamentar as leis que regulam o processo eleitoral e a legislação partidária, mas também, segundo o Ministro Oscar Corrêa ao relatar a Resolução TSE n. 12.867 (DJU de 25.3.1987, p. 4885), emprestar-lhes o sentido que as compatibilize com o sistema no qual se inserem” (FLÔRES, Ana Eloise de Carvalho/FERNANDES, Rosana Spiller. Op. Cit.).
[6] CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira. Reformas eleitorais comentadas – Lei n. 12.034/2009 (minirreforma politica e eleitoral) e LC n. 135/2010 (ficha limpa). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 553.
[7] RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 134.
[8] STF – ADI: 3999 DF, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 12/11/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-071 DIVULG. 16-04-2009 PUBLIC. 17-04-2009 EMENT. VOL-02356-01 PP-00099.
[9] RAMAYANA, Marcos. Op. cit., p. 135.