Doações eleitorais por pessoas físicas: inconstitucionalidade na Resolução 23.463/15 do TSE

Doações Eleitorais a partir das eleições 2016

O financiamento das campanhas eleitorais no Brasil é realizado por meio do sistema misto, no qual se admite o recebimento de recursos de origem privada e púbicos. Até as Eleições de 2014, a Lei Eleitoral admitia que os recursos de origem privada fossem advindos de doações realizadas tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas.

O limite de doações e contribuições por pessoas físicas era de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição e para pessoas jurídicas 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição. Caso ocorresse doação de quantia acima do limite fixado, as pessoas físicas e jurídicas se sujeitavam ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia doada em excesso.

Recentemente, as diversas denúncias de corrupção envolvendo doações formais à campanhas políticas, que seriam produto de propinas pagas por empresas a candidatos e partidos, acabaram por advogar de forma contundente em favor da necessidade de ativação de mecanismos capazes de reduzir a influência do capital econômico nas eleições; principalmente por meio de mecanismos de redução dos custos das campanhas, mormente a proibição do financiamento privado de campanhas políticas por parte das pessoas jurídicas.

Não obstante, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o Projeto de Lei que foi convertido na Lei nº 13.165/15 com a inclusão dos arts. 24-A e 24-B  que proibiam o recebimento, por candidatos, de doações de recursos financeiros, bens e serviços de pessoas jurídicas; mas, por sua vez, permitia a doação aos partidos políticos e os autorizava transferir os recursos aos candidatos.

Em resumo, a proposta aprovada pelos Parlamentares se mostrava divorciada dos interesses da sociedade brasileira, na medida em que, salvo diminutas alterações, mantinha a mesma sistemática perversa e corruptora existente. A posição adotada pelo Parlamento reafirma a crise política de representação gerada pela desconexão existente entre representantes e representados.

Na ordem daqueles acontecimentos, coube à Presidente da República utilizar o sistema de freios e contrapesos e apor veto aos artigos supracitados, de modo que as alterações trazidas pela Lei nº 13.165/15 não mais permitem aos candidatos receber doação de recursos por pessoas jurídicas, uma vez que, além do veto aos arts. 24-A e 24-B ocorreu a revogação do art. 81 das Disposições Transitórias da Lei nº 9.504/97, o que ocasionou, sem sombra de dúvidas, a alteração mais significativa das últimas décadas noprocesso eleitoral.


As doações realizadas por pessoas físicas e a inconstitucionalidade da proibição contida na Resolução nº 23.463/15 do TSE

O financiamento privado de campanhas por parte das pessoas físicas continua sendo permitido pelo art. 23 da Lei nº 9.504/97 com algumas alterações introduzidas pela Lei nº 13.165/15. As doações realizadas por pessoas físicas, conforme §1º do art. 23 da Lei nº 9.504/97, continuaram limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior às eleições.

A Resolução nº 23.463/15 do Tribunal Superior Eleitoral que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2016 estabeleceu que as doações financeiras de pessoas físicas em valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Então, de acordo com o §1º do art. 18, as doações em espécie realizadas por meio de depósito bancário somente estariam regulares se efetuadas em valor inferior a R$ 1.064,10. Casso ocorram doações em espécie por meio de depósito bancário  acima do limite estabelecido, o  §3º do art. 18 reclama que as doações não sejam utilizadas e exige sua devolução ao doador.

Ao estabelecer limite máximo para depósitos bancários e devolução dos valores que extrapolem aquele limite, o TSE inovou na ordem jurídica, exorbitando o poder do Tribunal de expedir instruções necessárias para fiel execução da Legislação Eleitoral, pois, não existe suporte legal que o autorize fixar teto de valores para depósitos em espécie.

A redação do art. 105 da Lei nº 9.504/97 estabelece que o poder do TSE de expedir instruções para o fiel cumprimento da Lei não pode restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na Lei. Com efeito, o TSE ao criar restrição onde a Lei não restringe, fixar obrigações onde a Lei não obriga e estabelecer sanções onde a Lei não estabelece, extrapolou o seu poder regulamentar[1], ferindo o princípio da reversa legal e o preceito contido no art. 105 da Lei Eleitoral.

Segundo observam Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira a alteração na redação do art. 105 da Lei nº 9.504/97 “foi uma mensagem clara do legislador: limitar o poder normativo do TSE”.[2] Para Marcos Ramayana a nova redação dada ao dispositivo “confirmou que o poder regulamentar exercido pela Justiça Eleitoral limita-se secundum legis”, não sendo “possível a criação de regras que fossem contra legem”. [3]

À guisa de conclusão, sem embargo da inconstitucionalidade apontada é altamente recomendável que os candidatos e partidos ao arrecadar recursos para suas campanhas se atentem ao cumprimento do limite estabelecido pela Resolução nº 23.463/15 do TSE, pois, as resoluções eleitorais são fontes de aplicação do direito utilizadas por Ministros, Juízes e Promotores; e o Supremo Tribunal Federal em outra oportunidade declarou constitucional[4] a Resolução nº 22.610/07, não obstante ser entendimento doutrinário de que ela inovou no âmbito da legislação eleitoral.[5]


Notas:

[1] Não se desconhece o tratamento e o alcance que a doutrina e a jurisprudência conferiam ao poder regulamentar das instruções expedidas pelo TSE. Neste sentido, a) “exerce a Justiça Eleitoral importantes funções normativas, não por outorga direta da Constituição, mas mediante lei autorizada pelo texto constitucional” (LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 216.); b) “Ao Tribunal Superior Eleitoral compete privativamente a expedição de instruções que julgar conveniente à execução do Código Eleitoral (CE, artigo 23, IX). Essas instruções, quando são expedidas por meio de resoluções, têm força de lei, e quando violadas por decisão de tribunais regionais permitem o recurso especial. Essa é uma das fases da competência normativa ou regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, às vezes, até competência legislativa”. ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional. 2ª ed. São Paulo: RT, 1997. p. 173; c) “esse exercício de poder regulamentar tem por limite óbvio a Constituição, o que nela conste expressamente, o que ela contenha implicitamente e o que dela derive necessariamente conforme a natureza da res publica eleitoral” (JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p.46-47 apud FLÔRES, Ana Eloise de Carvalho/FERNANDES, Rosana Spiller. Poder Regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em:<https://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/edicoes-impressas/integra/2012/06/poder-regulamentar-do-tribunal-superior-eleitoral/index8ef1.html>. Acesso em: 12  fev. 2016.);  d) “E à Justiça Eleitoral cabe não apenas regulamentar as leis que regulam o processo eleitoral e a legislação partidária, mas também, segundo o Ministro Oscar Corrêa ao relatar a Resolução TSE n. 12.867 (DJU de 25.3.1987, p. 4885), emprestar-lhes o sentido que as compatibilize com o sistema no qual se inserem” (FLÔRES, Ana Eloise de Carvalho/FERNANDES, Rosana Spiller. Op. Cit.).

[2] CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira. Reformas eleitorais comentadas – Lei n. 12.034/2009 (minirreforma politica e eleitoral) e LC n. 135/2010 (ficha limpa). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 553.

[3] RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 134.

[4] ADI nº 3999, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 12/11/2008, Publicação em 17/04/2009.

[5] RAMAYANA, Marcos. Op. cit., p. 135.

Autor

Leandro Roberto de Paula Reis

Advogado. Foi Assessor Jurídico e Procurador-Geral do Município de Pouso Alegre, MG (2009-2016). Especializando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Especialista em Gestão Pública Municipal pela Faculdade de Políticas Públicas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Autor do livro "Eleições 2016 - O que mudou com as minirreformas eleitorais de 2013 e 2015"

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