Doações Eleitorais a partir das eleições 2016
O financiamento das campanhas eleitorais no Brasil é realizado por meio do sistema misto, no qual se admite o recebimento de recursos de origem privada e púbicos. Até as Eleições de 2014, a Lei Eleitoral admitia que os recursos de origem privada fossem advindos de doações realizadas tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas.
O limite de doações e contribuições por pessoas físicas era de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição e para pessoas jurídicas 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição. Caso ocorresse doação de quantia acima do limite fixado, as pessoas físicas e jurídicas se sujeitavam ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia doada em excesso.
Recentemente, as diversas denúncias de corrupção envolvendo doações formais à campanhas políticas, que seriam produto de propinas pagas por empresas a candidatos e partidos, acabaram por advogar de forma contundente em favor da necessidade de ativação de mecanismos capazes de reduzir a influência do capital econômico nas eleições; principalmente por meio de mecanismos de redução dos custos das campanhas, mormente a proibição do financiamento privado de campanhas políticas por parte das pessoas jurídicas.
Não obstante, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o Projeto de Lei que foi convertido na Lei nº 13.165/15 com a inclusão dos arts. 24-A e 24-B que proibiam o recebimento, por candidatos, de doações de recursos financeiros, bens e serviços de pessoas jurídicas; mas, por sua vez, permitia a doação aos partidos políticos e os autorizava transferir os recursos aos candidatos.
Em resumo, a proposta aprovada pelos Parlamentares se mostrava divorciada dos interesses da sociedade brasileira, na medida em que, salvo diminutas alterações, mantinha a mesma sistemática perversa e corruptora existente. A posição adotada pelo Parlamento reafirma a crise política de representação gerada pela desconexão existente entre representantes e representados.
Na ordem daqueles acontecimentos, coube à Presidente da República utilizar o sistema de freios e contrapesos e apor veto aos artigos supracitados, de modo que as alterações trazidas pela Lei nº 13.165/15 não mais permitem aos candidatos receber doação de recursos por pessoas jurídicas, uma vez que, além do veto aos arts. 24-A e 24-B ocorreu a revogação do art. 81 das Disposições Transitórias da Lei nº 9.504/97, o que ocasionou, sem sombra de dúvidas, a alteração mais significativa das últimas décadas noprocesso eleitoral.
As doações realizadas por pessoas físicas e a inconstitucionalidade da proibição contida na Resolução nº 23.463/15 do TSE
O financiamento privado de campanhas por parte das pessoas físicas continua sendo permitido pelo art. 23 da Lei nº 9.504/97 com algumas alterações introduzidas pela Lei nº 13.165/15. As doações realizadas por pessoas físicas, conforme §1º do art. 23 da Lei nº 9.504/97, continuaram limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior às eleições.
A Resolução nº 23.463/15 do Tribunal Superior Eleitoral que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2016 estabeleceu que as doações financeiras de pessoas físicas em valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Então, de acordo com o §1º do art. 18, as doações em espécie realizadas por meio de depósito bancário somente estariam regulares se efetuadas em valor inferior a R$ 1.064,10. Casso ocorram doações em espécie por meio de depósito bancário acima do limite estabelecido, o §3º do art. 18 reclama que as doações não sejam utilizadas e exige sua devolução ao doador.
Ao estabelecer limite máximo para depósitos bancários e devolução dos valores que extrapolem aquele limite, o TSE inovou na ordem jurídica, exorbitando o poder do Tribunal de expedir instruções necessárias para fiel execução da Legislação Eleitoral, pois, não existe suporte legal que o autorize fixar teto de valores para depósitos em espécie.
A redação do art. 105 da Lei nº 9.504/97 estabelece que o poder do TSE de expedir instruções para o fiel cumprimento da Lei não pode restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na Lei. Com efeito, o TSE ao criar restrição onde a Lei não restringe, fixar obrigações onde a Lei não obriga e estabelecer sanções onde a Lei não estabelece, extrapolou o seu poder regulamentar[1], ferindo o princípio da reversa legal e o preceito contido no art. 105 da Lei Eleitoral.
Segundo observam Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira a alteração na redação do art. 105 da Lei nº 9.504/97 “foi uma mensagem clara do legislador: limitar o poder normativo do TSE”.[2] Para Marcos Ramayana a nova redação dada ao dispositivo “confirmou que o poder regulamentar exercido pela Justiça Eleitoral limita-se secundum legis”, não sendo “possível a criação de regras que fossem contra legem”. [3]
À guisa de conclusão, sem embargo da inconstitucionalidade apontada é altamente recomendável que os candidatos e partidos ao arrecadar recursos para suas campanhas se atentem ao cumprimento do limite estabelecido pela Resolução nº 23.463/15 do TSE, pois, as resoluções eleitorais são fontes de aplicação do direito utilizadas por Ministros, Juízes e Promotores; e o Supremo Tribunal Federal em outra oportunidade declarou constitucional[4] a Resolução nº 22.610/07, não obstante ser entendimento doutrinário de que ela inovou no âmbito da legislação eleitoral.[5]
Notas:
[1] Não se desconhece o tratamento e o alcance que a doutrina e a jurisprudência conferiam ao poder regulamentar das instruções expedidas pelo TSE. Neste sentido, a) “exerce a Justiça Eleitoral importantes funções normativas, não por outorga direta da Constituição, mas mediante lei autorizada pelo texto constitucional” (LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 216.); b) “Ao Tribunal Superior Eleitoral compete privativamente a expedição de instruções que julgar conveniente à execução do Código Eleitoral (CE, artigo 23, IX). Essas instruções, quando são expedidas por meio de resoluções, têm força de lei, e quando violadas por decisão de tribunais regionais permitem o recurso especial. Essa é uma das fases da competência normativa ou regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, às vezes, até competência legislativa”. ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional. 2ª ed. São Paulo: RT, 1997. p. 173; c) “esse exercício de poder regulamentar tem por limite óbvio a Constituição, o que nela conste expressamente, o que ela contenha implicitamente e o que dela derive necessariamente conforme a natureza da res publica eleitoral” (JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p.46-47 apud FLÔRES, Ana Eloise de Carvalho/FERNANDES, Rosana Spiller. Poder Regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em:<https://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/edicoes-impressas/integra/2012/06/poder-regulamentar-do-tribunal-superior-eleitoral/index8ef1.html>. Acesso em: 12 fev. 2016.); d) “E à Justiça Eleitoral cabe não apenas regulamentar as leis que regulam o processo eleitoral e a legislação partidária, mas também, segundo o Ministro Oscar Corrêa ao relatar a Resolução TSE n. 12.867 (DJU de 25.3.1987, p. 4885), emprestar-lhes o sentido que as compatibilize com o sistema no qual se inserem” (FLÔRES, Ana Eloise de Carvalho/FERNANDES, Rosana Spiller. Op. Cit.).
[2] CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira. Reformas eleitorais comentadas – Lei n. 12.034/2009 (minirreforma politica e eleitoral) e LC n. 135/2010 (ficha limpa). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 553.
[3] RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 134.
[4] ADI nº 3999, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 12/11/2008, Publicação em 17/04/2009.
[5] RAMAYANA, Marcos. Op. cit., p. 135.