Imunidade parlamentar na União Europeia

Conceito e estrutura institucional da União Europeia

A Comunidade Europeia representa uma das mais bem sucedidas empreitadas de integração regional ocorridas até os dias de hoje; observada pela construção da sólida estruturação do mercado comum, passando pela conjugação econômica e monetária, pela política externa e de segurança únicas, pela cooperação em matéria judiciária e, ao final, pela verdadeira união política[1].

A convicção de que a Europa constitui uma individualidade histórica, com valores próprios que precisam ser preservados e dotada de um destino comum a ser compartilhado, “representam forças poderosas a motivar os países para a consecução do empreendimento europeu”[2].

Como observa Maria Helena Diniz[3], a União Europeia foi criada com o objetivo de atingir a livre circulação de pessoas, de bens, de capitais e serviços; para tanto, os países-membros renunciaram parte de sua soberania em favor da Comissão Europeia, a quem compete promulgar atos europeus equivalentes à legislação doméstica.

O Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio afirma que a “Unificação européia é, portanto, um processo que tem características ambíguas: constitui, ao mesmo tempo, a última fase da crise do Estado nacional e a primeira fase de sua superação”[4], podendo ser definida como “o processo histórico no curso do qual a sociedade civil perde seu caráter exclusivamente nacional e adquire, juntamente com o caráter nacional, um caráter europeu”[5].

Os primeiros projetos de integração dos países europeus surgiram no período entre guerras e tiveram como pano de fundo a Liga das Nações[6]. Após décadas de experimentações e inovações, a União Europeia, denominação que passou a ter a partir de 1993, hoje possui uma estrutura institucional supranacional independente para a realização de seus objetivos, são eles: Conselho Europeu, Conselho da União Europeia, Comissão Europeia, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça e Parlamento Europeu.

O Conselho Europeu, responsável por definir os objetivos da União, as diretrizes que orientam as políticas comuns e as orientações que serão concretizadas nos seus vários domínios, ocupa-se de questões relacionadas ao aprimoramento das instituições e a política externa e de segurança comum; e, também, perseguir a superação de eventuais divergências entre os Estados e debelar crises que vierem a surgir[7].

O Conselho da União Europeia – difere do Conselho Europeu, este o foro de cúpula da União que estabelece as orientações de caráter geral – é um órgão colegiado de representação dos interesses estatais e a principal instância decisória no âmbito comunitário, a quem compete, dentre outras atribuições, coordenar as políticas econômicas dos Estados-membros, definir a política externa e de segurança comum da União Europeia, além de adotar medidas sobre a cooperação policial e judiciária para combater o aumento da criminalidade[8].

A Comissão Europeia é órgão colegiado integrado por nacionais dos Estados-membros, nomeados pelos governos. Sua missão é garantir o respeito das regras comunitárias e dos princípios do mercado comum, propor ao Conselho Europeu todas as medidas consideradas úteis para o desenvolvimento das políticas comunitárias e executar políticas comunitárias a partir dos dispositivos dos tratados[9].

O Tribunal de Contas tem como objetivo efetuar o controle das metas orçamentárias e examinar se os órgãos comunitários cumpriram as previsões de gastos constantes no orçamento[10].

O Tribunal de Justiça, órgão independente em relação aos Estados-membros e às demais estruturas institucionais comunitárias, atua firme no propósito de manter íntegra a ordem jurídica das Comunidades e notabilizou-se por proferir interpretações finalísticas, que fortalecem o processo de integração e alcance das regras elaboradas pelos órgãos comunitários[11].

Com o intuito de preservar o espírito e a letra dos tratados fundadores, o Tribunal de Justiça age frequentemente como verdadeira Corte constitucional, além de possuir competência ampla, que recobre a área internacional, administrativa, comercial, cível e trabalhista; também compete a ele o controle de legalidade dos Estados-membros e das instituições comunitárias[12].

O Parlamento Europeu representa os povos dos Estados-Membros, de acordo com o peso demográfico, e a eleição de seus membros é feita pelo sufrágio universal direto e periódico, em escrutínios realizados em todos os países membros da União Europeia[13].

O Parlamento Europeu é composto por 785 deputados que debatem e aprimoram as propostas encaminhadas pela Comissão Europeia, que detém o monopólio da iniciativa normativa. O Parlamento, também, exerce amplo controle sobre as atividades das demais instituições da União, inclusive o controle econômico e monetário. Possui, ainda, a prerrogativa de criar comissões de inquérito em situações que envolvam violação do direito comunitário[14].


A imunidade parlamentar na União Europeia

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia[15] estabeleceu em seu artigo 343 que a União goza, no território dos Estados-membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão. Assim, o Protocolo nº 7[16], relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia, estabeleceu as imunidades aos Parlamentares Europeus.

O artigo 9º do Protocolo nº 7 assegurou a imunidade material aos membros do Parlamento Europeu, estabelecendo que não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.

A imunidade formal está prevista no artigo 10 do Protocolo nº 7, que estabelece que, enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros gozam, no seu território nacional, da imunidade reconhecidas aos membros do Parlamento de seu país; e, no território de qualquer outro Estado-membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Os Parlamentares, também, beneficiam-se igualmente de imunidade, quando se dirijam ou regressem do local de reunião do Parlamento Europeu, não ficando sujeitos a restrições administrativas ou de qualquer outra natureza.

O artigo 10 ressalva que a imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode, também, constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.

O Regimento do Parlamento Europeu[17] dispõe, em seu artigo 6º, que, no exercício de seus poderes, em matéria de privilégios e imunidades, o parlamento age para manter a sua integridade enquanto assembleia legislativa democrática e para garantir a independência dos seus membros no exercício das suas funções.

Qualquer pedido de levantamento da imunidade parlamentar deverá ser avaliado de acordo com os artigos 7º, 8º e 9º do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, com os princípios da integridade do Parlamento e independência de seus membros no exercício de suas funções.

O pedido de levantamento da imunidade, formulado pelas autoridades competentes de um dos Estados-Membro, será dirigido ao presidente e encaminhado para a comissão competente, que apresentará seu parecer ao Parlamento, que decidirá sobre o levantamento da imunidade.

Não há necessidade de levantamento da imunidade quando um deputado esteja obrigado a comparecer a tribunal na qualidade de testemunha ou perito, desde que não impeçam ou dificultem o exercício de suas atividades parlamentares, ou possam prestar declarações por escrito ou sob qualquer outra forma que não dificulte o exercício de suas atividades parlamentares; e, também, não sejam obrigados a prestar declarações relacionadas a informações obtidas de forma confidencial, em razão do exercício do mandato, que entendam não ser conveniente revelar.

A defesa dos privilégios e imunidades ocorre mediante pedido, dirigido ao presidente, formulado por deputados ou antigos deputados, e caberá ao Parlamento, após parecer da comissão competente, decidir se houve ou não violação dos privilégios e imunidades dos deputados e ex-deputados por parte das autoridades de um dos Estados-membro.

O Regimento do Parlamento Europeu também prevê uma medida urgente de confirmação da imunidade parlamentar, quando um deputado for detido ou a sua liberdade de locomoção for restringida em manifesta violação de suas prerrogativas. Ocorrendo este fato, o presidente do Parlamento, após consultar o presidente e o relator da comissão competente, pode tomar a iniciativa de confirmar os privilégios e imunidades do deputado.


Notas

[1] CASELLA, Paulo Borba; ACCIOLY, Hidelbrando; SILVA, G. E.do Nascimento e. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 20ª ed., 2012, p. 469.

[2] AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 421.

[3] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2009. Vol. 4., p.761

[4] BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varrialle, Gaetano Loiai Mônaco, João Ferreira, Luis Guerreiro Pinto Cacais, Renzo Dini. Brasília: UnB, 11ª ed., 1998, Vol. I, p.1269.

[5] Ibidem, p. 1271.

[6] AMARAL JUNIOR. Op. Cit., p. 421-422.

[7] AMARAL JUNIOR. Op. Cit., p. 427-428

[8] AMARAL JUNIOR. Op. Cit., p. 431.

[9] CASELLA, Paulo Borba Op. Cit., p. 472-473.

[10] AMARAL JUNIOR. Op. Cit., p. 433 -434.

[11] Ibidem, 434.

[12] Ibidem, 435.

[13] CASELLA, Paulo Borba. Op. Cit., p. 472.

[14] AMARAL JUNIOR. Op. Cit., p. 430

[15] TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA – Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/Lisboa/tratados-TUE-TFUE-V-Lisboa.html> Acessado em: 04 de abril de 2014.

[16] PROTOCOLO Nº 7 – Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/Lisboa/tratados-TUE-TFUE-V-Lisboa.html> Acessado em: 04 de abril de 2014.

[17] REGIMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU – Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML+RULES-EP+20140310+0+DOC+PDF+V0//PT&language=PT> Acessado em: 05 de abril de 2014

Autor

Leandro Roberto de Paula Reis

Advogado. Foi Assessor Jurídico e Procurador-Geral do Município de Pouso Alegre, MG (2009-2016). Especializando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Especialista em Gestão Pública Municipal pela Faculdade de Políticas Públicas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Autor do livro "Eleições 2016 - O que mudou com as minirreformas eleitorais de 2013 e 2015"

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