Samba do crioulo doido: MP processa quem doa pouco para campanhas eleitorais

Há alguns meses escrevi um artigo publicado na Revista Jus Navigandi intitulado “Crítica às representações eleitorais propostas pelo Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais”, que apontava o tamanho absurdo praticado pelo Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais, que estava a ajuizar de centenas Representações Eleitorais em face de cidadãos mineiros que haviam doado quantias ínfimas (ínfimas mesmo! Cerca de R$ 30,00, R$ 50,00 ou R$ 100,00) ou emprestado bens móveis insignificantes (insignificantes mesmo! Uma mesa e duas cadeiras, por exemplo) às campanhas eleitorais de candidatos e partidos políticos.

Mas, o disparate não ficou só nas cercanias das Minas Gerais. Desde a semana passada, a impressa nacional e internacional tem divulgado que eleitores de São Paulo e do Rio de Janeiro também estão sendo processados pelo Ministério Público Eleitoral por doar pequenas quantias às campanhas eleitorais, confira:

UOL – Após doar valores como R$ 30 e R$ 60 a partidos, eleitores são processados

processo-na-justica-eleitoral,fb35cb0dbf69b68a1f8bb9ab205266e4b7lxrtxd.html” target=”_blank”>TERRA – Doações eleitorais de R$15 são alvo de processo na Justiça Eleitoral

CARTA CAPITAL- Doações eleitorais de R$15 são alvo de processo na Justiça

DEUTSCHE WELLE – Doações eleitorais de R$15 são alvo de processo na Justiça

BRASIL POST – Eleitores que doaram menos de R$ 100 a campanhas estão sendo processados pelo Ministério Público

CARTA MAIOR – MPE ataca a democracia e processa jovens que doaram R$20,00 na última eleição


Entenda o que acontece

O inciso I, §1º, do artigo 23 da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) estabelece limites para a doação de recursos a campanhas eleitorais. No caso de doador pessoa física, o limite é de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição. O objetivo deste dispositivo é evitar o abuso do poder econômico nas eleições, de modo que um cidadão, ainda que de muitas posses e elevada renda, fique limitado em suas doações eleitorais a um décimo de seus rendimentos brutos.

Entretanto, o Ministério Público resolveu subverter completamente o objetivo da Lei Eleitoral – que era o de coibir o abuso do poder econômico – e processar pessoas de parcos rendimentos que doaram quantias irrisórias.

A lógica do Ministério Público Eleitoral foi a seguinte: se o cidadão, no ano anterior à eleição, declarou ser isento de imposto renda por ter obtido rendimentos até o limite da isenção [=R$ 25.661,70 em 2013] existe a possibilidade de ter auferido rendimento iguais a R$ 0,00, e, portanto, qualquer centavo doado para campanhas eleitorais ultrapassou o limite de 10% (dez por cento), sujeitando o “infrator” ao pagamento de multa de 5 a 10 vezes o valor doado em excesso.

Para piorar o quadro o Ministério Público Eleitoral ainda propôs diversas Representações Eleitorais em face de cidadãos que se declararam isentos de imposto de renda e que emprestaram bens móveis aos candidatos e partidos políticos – uma cadeira, por exemplo. Então, ao empréstimo da cadeira, para fins eleitorais, foi atribuído o valor de R$ 10,00, e, como o cidadão se declarou isento de imposto de renda, o Ministério Público Eleitoral considerou que não poderia ter emprestado a referida cadeira que, valendo R$ 10,00, deverá sujeitar o “infrator” à multa de R$ 50,00 a R$ 100,00.

No caso acima citado, o Ministério Público Eleitoral, além de fazer raciocínio completamente equivocado, age em flagrante contrariedade à Lei 9.504/97, pois o comando contido no §7º do seu artigo 23 é  de clareza meridiana ao dispor que o limite de doação de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição não se aplica a bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00.

Ou seja: qualquer cidadão, mesmo que não tenha obtido renda alguma no ano anterior à eleição pode doar quaisquer bens móveis ou imóveis de sua propriedade, sem incorrer em multa, desde que o valor da doação não ultrapasse os R$ 50.000,00.

Conclui-se, portanto, que configuram-se completamente descabidas, desarrazoadas, despropositadas e ilegais as Representações Eleitorais propostas pelo Ministério Público Eleitoral, que, além de sobrecarregar o Poder Judiciário, envergonham a democracia brasileira, na medida em que oprimem o exercício da plena cidadania por parte do eleitor comum, subvertendo por completo a lógica dos comandos eleitorais.

Autor

Leandro Roberto de Paula Reis

Advogado. Foi Assessor Jurídico e Procurador-Geral do Município de Pouso Alegre, MG (2009-2016). Especializando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Especialista em Gestão Pública Municipal pela Faculdade de Políticas Públicas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Autor do livro "Eleições 2016 - O que mudou com as minirreformas eleitorais de 2013 e 2015"

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